Por que o futebol nos faz chorar?
Que o futebol é importante para o Brasil, já não é mais uma dúvida. A pergunta que intriga, no entanto, é por que ele se configura um fenômeno de tanta importância, a ponto de gerar sofrimentos aos torcedores e, por que não, à própria comissão técnica? O que pode estar por trás de um evento tão grande como a Copa do Mundo a ponto de mobilizar centenas de brasileiros, fazê-los chorar, fazê-los torcer com o maior vigor nunca antes visto e, infelizmente, sofrer - às vezes dolorosamente - com uma derrota?
A análise pode começar a partir de uma revisão histórica do valor simbólico que o brasileiro atribui ao futebol. Um país marcado por 500 anos de uma controversa história, vivenciando conflitos, batalhas, lutas, enfrentando de frente as limitações de uma população marcada por heranças de diversas culturas mundiais, encontrou no futebol uma maneira de sentir alegria e entusiasmo, mesmo frente a diversos outros problemas políticos, sociais e econômicos em seu dia a dia. É claro que nenhuma nação é perfeita. É claro que existem outras nações que enfrentam maiores dificuldades que o Brasil. Mas o futebol adquiriu um valor simbólico gigantesco para o brasileiro, pois se transformou em uma marca, um ponto fundamental de uma construção de identidade, de um sentimento de cidadania, de pertencimento a algo de valor, algo gratificante.
Com esse valor simbólico, comissão técnica e torcedores carregam esses longos anos e cinco vitórias como um enorme troféu. O brasileiro é o dono do melhor futebol do mundo, é motivo de orgulho e de reconhecimento internacional, logo, é encarado como uma característica que pertence a cada brasileiro, um fenômeno que representa cada um individualmente e coletivamente. Mas como tudo isso pode influenciar negativamente nossos sentimentos?
É justamente quando atribuímos um forte valor a algo, quando o encaramos como parte de nós mesmos, que se torna cada vez mais difícil ter que abrir mão desse algo. Uma derrota em um campeonato de grandes proporções, uma falha técnica, uma lesão de um grande ídolo, tudo isso abala negativamente uma enorme expectativa que construímos internamente, uma complexa e rica combinação de sentimentos e pensamentos. Quanto maior a expectativa depositada em algo ou alguém, maior a frustração frente a eventuais acontecimentos que fogem do esperado e com eles, bastante sofrimento.
Por parte dos jogadores, indivíduos que abraçam suas profissões como uma verdadeira missão, já que não só carregam expectativas de cidadãos brasileiros, como carregam responsabilidades pelo sucesso do esporte em si, pode-se imaginar um sério sentimento de culpa, de incapacidade, de incompletude, quando por qualquer motivo que seja, o desempenho não sai como se espera. Em um esporte de extrema complexidade, que demanda de seus jogadores um desempenho individual integrado ao coletivo, preparo físico impecável, resistência e, principalmente, concentração, se algum evento foge do esperado, é como se um ou mais pilares enfraquecesse, o que demanda dos jogadores um potencial de resiliência muito grande, ou os outros pilares continuariam a enfraquecer e ocorreria uma derrota completa.
Por parte dos torcedores, que carregam, como dito anteriormente, um complexo sentimento de pertencimento ao fenômeno do futebol, ver expectativas sendo frustradas, ver aquele objeto carregado de valor se esvaindo diante de seus olhos, configura um doloroso episódio de perda, de necessidade de reestruturação de pensamentos, ressignificação de um "mundo presumido". Ou seja, tanto para jogadores, quanto para torcedores brasileiros, o que se vive é um verdadeiro luto frente a um acontecimento que, tendo em vista nossa história cultural e esportiva, está carregado de valores.
Como qualquer outro processo de luto e de perda, momentaneamente o brasileiro vivencia um sentimento de desamparo, de dor, de tristeza. Tudo aquilo que girava em torno de expectativas, tudo o que foi imaginado para uma possível vitória, todos os sentimentos e pensamentos depositados no futebol, precisam ser reconfigurados, repensados, reconstruídos e a sensação de desamparo precisa ser substituída por uma sensação de fé e expectativa em outro evento. Em outras palavras, é necessário vivenciar uma reconstrução de nosso próprio Eu, depositar esperanças e expectativas em outros possíveis eventos e aos poucos ir compreendendo e aceitando que tudo aquilo que foi imaginado terá que ocorrer de uma maneira diferente, assim a dor vai passando e a força vai sendo recuperada.
Apesar de parecer óbvia ou até boba uma análise psicológica do futebol e suas repercussões em nosso emocional, tudo isso serve para que percebamos que a vida é recheada por momentos de expectativas e frustrações. Quanto mais nos inclinamos e nos entregamos a expectativas, maior o risco de sofrermos com nossas frustrações. Isso quer dizer que não podemos criar expectativas com nada? Não. Isso significa que ao longo de anos de vivência, diversas situações de frustração serão vividas, seja num evento cotidiano, seja numa partida de futebol, seja num relacionamento que termina ou no falecimento de um ente querido. Todos esses eventos, no entanto, configuram oportunidades de nos reconstruirmos, de usarmos nossos recursos internos para superação, para ressignificação de sentimentos e pensamentos. Logo, quanto mais experiências semelhantes vivenciarmos, provavelmente maior o número de recursos que iremos adquirir para enfrentar novas experiências semelhantes.
Além disso tudo, pode-se pensar, portanto, que qualquer equipe de trabalho necessita de um acompanhamento adequado para enfrentar possíveis eventos frustrantes, principalmente quando envolvem o sentimento de coletividade e, claro, envolve também diversos mecanismos de atribuição de responsabilidades, divisão de funções e trabalhos, o que pode gerar tensão e sentimentos de impotência para cada membro, individualmente. Ou seja, equipes de trabalho, no caso atual nossa seleção brasileira, necessitam de um preparo não só técnico, tático e físico, quanto um preparo psicológico para encarar e vivenciar com muitos recursos situações inesperadas e assim evitar desestruturações psicológicas que influenciariam diretamente o desempenho técnico.
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